Música para tempos de crise

Música para tempos de criseNos últimos anos, devido ao clima de crise que assola a Grécia, têm surgido algumas canções que refletem o descontentamento do povo grego com a situação econômica e política do país. São letras bastante claras, algumas bastante contundentes por sinal, que revelam o desapontamento dos gregos com relação à economia, aos políticos e ao próprio Estado grego. Contudo, elas têm em comum o fato de expressarem um grande amor pelo país, a eterna e bondosa mãe pátria dos gregos.

Escutei um dos primeiros exemplos dessas canções de protesto em 2010. Nesse ano foi lançado o álbum “Giannis Kotsiras Live 2010”, um álbum duplo do talentoso cantor ateniense. Ao lado das canções românticas, que tanto marcaram a carreira de Giannis Kotsiras, encontramos “Agapi mou esy”, com letra do próprio Kotsiras, uma espécie de preâmbulo para os tempos de austeridade que estariam por vir, ainda piores.

“Agapi mou esy” descreve os eventos que tomaram lugar na Grécia em 2010 e os fatos que fizeram com que o país chegasse ao abismo no qual já se encontrava naquele ano. O refrão revela bastante:

 

Αγάπη μου εσύ (Você, meu amor)
Αιώνια πληγή (Ferida eterna)
Εξίσωση απλή (A equação é tão simples)
Μα δε λύνεσαι (Mas você não sabe solucionar)

 

Ελλάδα μου εσύ (Você, minha Grécia)
Αρχαία, τρελή (Antiga, louca)
Σε άδεια πηγή (Num poço vazio)
Πέφτεις, πνίγεσαι (Você está caindo, está se afogando)
Δε ξέρεις τι θες… (Você não sabe o que quer…)

 

Neste ano de 2012 surgiram mais duas ótimas traduções do descontentamento grego em formato de canção. Uma delas é de autoria de Giorgos Mihas, com a bonita voz da roqueira australiana de descendência grega Theodosia Tsatsou, que vem se destacando nas paradas de sucesso gregas desde 1996. A canção de Giorgos Mihas, “Hora thea” (“Pátria deusa” na minha tradução muitíssimo livre), toca no tema da crise, mas de maneira um pouco mais sutil. Segundo o próprio autor, a  canção é “a expressão criativa de um grito selvagem em um país onde tudo desmorona”. Nela o futuro não deixa de ser visto de forma bastante obscura e incerta:

 

(…)

ζωή αδειανή, (Vida vazia)
ελπίδα κενή (Esperança em branco)
και το αύριο που σκάει (E o amanhã que arrebenta)
μέσα από μια ρωγμή (Em uma rachadura)

 

Mas permanece ainda forte o sentimento de amor pelo país:

 

μια χώρα γυμνή, (Um país nu)
μια χώρα πληγή, (Um país ferido)
μια χώρα που έχω (Um país que)
βαθιά ερωτευτεί (Amo profundamente)
μια χώρα Θεά, (Uma pátria Deusa)
που μου βαζει φωτιά, (Que me põe fogo)
μια χώρα που αρχίζει (Um país que começa)
εκεί που ο νους σταματά (Onde a mente para)

 

Mas para mim a música mais emblemática desse momento crítico na história grega é “Dystyhia sou Ellas”. No momento essa é uma das músicas mais tocadas nas rádios do país, lançada neste ano de 2012 no álbum “Me geia to kourema” de Giannis Zouganelis. A primeira vez que ouvi “Dystyhia sou Ellas”, pensei logo tratar-se de uma canção totalmente nova, já que a letra descreve com riqueza de detalhes o cenário político e econômico grego atual. Mas tomei um grande susto quando descobri que se trata de um poema escrito há cerca de 110 anos atrás!

 

 

Para a infelicidade dos gregos, parece que nada mudou nos últimos tempos desde que Georgios Souris (1853 – 1919), uma espécie de “Aristófanes moderno”, satirizava e denunciava os desmanzelos do país em sua poesia, botando o dedo na ferida das autoridades e até mesmo dos moradores.

 

Ποιος είδε κράτος λιγοστό (Quem é que já viu um pequeno país)
σ’ όλη τη γη μοναδικό, (Único no mundo)
εκατό να εξοδεύει (Gastar cem)
και πενήντα να μαζεύει; (E poupar apenas cinquenta?)

(…)

Δυστυχία σου, Ελλάς, (Ai de você, Grécia)
με τα τέκνα που γεννάς! (Com a prole que você está gerando)
Ώ Ελλάς, ηρώων χώρα, (Oh, Grécia, terra de herois)
τί γαϊδάρους βγάζεις τώρα; (Que babacas você está produzindo agora?)

 

A versão atual da canção é cantada pelos roqueiros Miltos Paschalidis, Giannis Koutras, Lavrentis Mahairitsas e pelo próprio Giannis Zouganelis.

Como brasileiro, apenas observo tudo de longe, na esperança de que canções como essas sejam, o mais breve possível, apenas marcos de uma página triste da história grega moderna. Infelizmente, qualquer semelhança com um certo país da América do Sul não pode ser apenas mera coincidência…

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